Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOSP) de 15/05/2010

Aquela autoridade federal, ouvida pela Comissão, menciona fatos que significam que esses bens, que haveriam de ser empregados no desenvolvimento do serviço público de transporte ferroviário, estão sendo vendidos como sucata.
  São seus os seguintes relatos: "(...) A Polícia Federal montou a operação denominada "Fora dos Trilhos", que identificou materiais ferroviários em usinas siderúrgicas e ferrosvelhos. O Delegado Carlos Fernando Lopes Abelha e sua equipe fizeram diligências em várias regiões do Estado de São Paulo, bem como no Paraná e Minas Gerais, e constataram uma rede de comercialização criminosa do patrimônio ferroviário paulista. Os bens apreendidos tinham sido classificados como sucata. O Delegado solicitou exame pericial para determinar se o material era inservível e a conclusão foi de que muitas longarinas e "trucks", que estavam cortados com maçarico, sequer haviam sido usados, estando em melhores condições do que outros que se encontravam nas oficinas das concessionárias para reparos. Esclareceu, ainda, que foi investido muito dinheiro em um consórcio euro-brasileiro, para implantação de um sistema elétrico, com a compra de 20 (vinte) novas locomotivas elétricas e instalação de subestações para fornecimento de energia. Sob a alegação de que o sistema elétrico não era economicamente viável, foi todo erradicado, com o abandono dessas locomotivas e a retirada dos cabos da linha de transmissão. (...) Disse ainda que o Estado de São Paulo dispõe de apenas 3 (três) policiais ferroviários federais para proteger 4 (quatro) mil quilômetros de trilhos. Segundo o Delegado, é preciso constituir uma forçatarefa para dar proteção ao que resta desse patrimônio e sugeriu aos membros da CPI que seja feita uma mobilização para que o quadro da Polícia Ferroviária Federal seja aumentado, pois atualmente conta com denúncias da população para que possa realizar prisões em flagrante delito. (...) O Doutor Abelha respondeu que há um relatório do Dr. Luiz Cláudio Pereira Leivas, Procurador da República, que os avalia em bilhões de reais, pois, além da perda do patrimônio, há muitos devedores da antiga RFFSA cujos débitos não foram cobrados. (...)"
Do inquérito policial acima referido surgiu um relatório circunstanciado, ilustrado por fotografias, que demonstra a atividade predatória com que se porta a "América Latina Logística."
4 - DO OBJETO DA CPI CONSTITUÍDA A PARTIR DO REQUERIMENTO Nº 1505/2007
  Pela justificativa do requerimento que deu ensejo à constituição da presente CPI, ficou bastante clara a preocupação dos seus autores em investigar novamente a situação atual do sistema ferroviário do Estado de São Paulo, como um todo, incluindo o transporte de carga e até mesmo a retomada do sistema de transporte de passageiro. Este objetivo é um clamor público, já que o transporte realizado pelas rodovias está a cada dia mais próximo de um colapso. Ressaltamos ainda o consumidor -meta final a ser alcançada para prestar o serviço com excelência de qualidade. Esta qualidade deve se refletir também na interação com o meio ambiente, onde a emissão de carbono é assunto obrigatório em toda pauta de discussão internacional. Ora, como pode o Estado permitir que uma empresa dilapide um patrimônio voltado inclusive para o transporte movido a eletricidade, elegendo-se e priorizando o transporte movido a combustível fóssil em pleno século XXI?
P ARTE IV -DAS INVESTIGAÇÕES
No decorrer dos depoimentos das testemunhas que compareceram às reuniões desta CPI, procurou-se averiguar se houve irregularidades na prestação dos serviços de transporte de cargas, tendo como um dos focos principais garantir que o patrimônio público não tenha sofrido qualquer lesão e que a prestação dos serviços não tenha sido prejudicada. Foram, portanto, aprofundadas as seguintes questões:
1 . Sobre o Processo de Privatização e a Ineficácia das Concessionárias na Prestação deste Relevante Serviço Público.
O Dr. Mauro Guilherme Jardim Arce, Secretário de Estado dos Transportes, em depoimento à CPI, fez um histórico sobre a privatização ressaltando que com o advento da indústria automobilística, priorizou-se o transporte rodoviário e concomitantemente o abandono das ferrovias, que eram morosas e ineficazes. No ano de 1995, nas negociações do Estado de São Paulo com suas dívidas para com a União, operou-se então a transferência do patrimônio da FEPASA para a RFFSA.
1.1. A privatização frustrada e o desmantelamento da rede ferroviária não ocorreram só no âmbito do Estado de são Paulo. O Procurador da República Luiz Cláudio Pereira Leivas se deparou com o horror de uma estrada de ferro completamente enterrada entre os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, totalizando a destruição de mais de 4 (quatro) mil quilômetros e trilhos. No momento da privatização, havia 33 (trinta e três) mil quilômetros de trilhos em 18 estados brasileiros. Esta malha foi fracionada em sete malhas regionais [entre estas a Malha Paulista].
  Só São Paulo perdeu 1.300 quilômetros eletrificados. Já em Minas Gerais, ninguém sabe o que aconteceu com 140 (cento e quarenta) quilômetros de trilhos da Caraguases-Sabará no local do ramal hoje só se encontra terra arrasada. Nos demais estados, mais de 434 (quatrocentos e trinta e quatro) leitos ferroviários foram tomados por ocupações informais. Ressalte-se que não estamos falando de terreno apropriado por favelados. Por exemplo no trecho Mangaratiba/Angra dos Reis, na costa Verde do Rio toda à Beira-mar, seu traçado está ocupado pelo clube Mediterranée! O nome desta extinta Ferrovia era EF -479. E tem mais, não nó o clube citado se apropriou das terras, como também hotéis, clubes, marinas e condomínios de luxo. Não por acaso o hotel Portogalo, em Angra, tem um exclusivo túnel de trem, que inclusive é destaque como atrativo para seus hóspedes! Cita ainda o ilustre Procurador o eminente Ministro do Tribunal de contas da União Adilsom Motta a reconhecer e se "declarar convencido das irregularidades verificadas nas alienações de bens pela empresa e lastimar o total descontrole sobre seu patrimônio".
2. Sobre os atos praticados pela ALL -Malha Paulista.
"Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil"
Essa frase antológica foi atribuída a Getulio Vargas quando reclamava dos desmandos que aconteciam, naquela época, em nosso país. Hoje, mais de 60 anos depois, o Brasil continua infestado de saúvas corroendo os cofres públicos e o dinheiro do contribuinte. A ALL está agindo como as piores saúvas, que sempre existiram no Brasil. Estas "saúvas" modernas, literalmente cortam, picam e vendem patrimônio público. O "modus operandi" da ALL, como demonstraremos em parágrafo próprio, atuam em conjunto com usinas siderúrgicas, empreiteiras, e empresas de ferro-velho, especialmente na Região de Piracicaba, pois nesta cidade há grandes siderúrgicas e ferros-velhos, destino final dos ativos da Malha Paulista. As principais investigações da polícia Federal apuram crimes praticados em detrimento de bens públicos da extinta Rede Ferroviária Federal S A -RFFSA. A operação desencadeada foi denominada operação Fora dos Trilhos. Sem dúvida que o desmando ocorrido com a malha ferroviária tem e muito de omissão na fiscalização e a execução do serviço público concedido, passando pelo abandono, vandalismo e ações deliberadas onde foi desviado e subtraído grande quantidade de material rodante de ótima qualidade e muito longe de ser caracterizado como material de sucata.
3. -Da Avaliação Patrimonial e a Inventariança
Convocados para prestar depoimento nesta CPI, o Sr. Nivaldo Germano, representante da Controladoria Geral da União, a principal atividade deste órgão é "fazer o reconhecimento e a regularização dos imóveis que pertencem ao Patrimônio da União. (...)
A maior dificuldade está na realização é a falta de pessoal". Restou claro que em relação ao patrimônio da Malha Paulista, não tem prazo para terminar o inventário, com o consequente registro e identificação deste patrimônio.
3.1 -Do Desmanche da Malha Paulista Efetuado pela América Latina Logística - ALL consubstanciado no absurdo contrato particular celebrado entre a ALL e a VIDOFER CENTRAL DE RECICLAGEM LTDA ME VCR -
A polícia Federal, instaurou inquérito policial sobre várias irregularidades envolvendo a ALL, e especialmente o contrato n. 47/98 entre a Rede Ferroviária Federal AS -FERROBAN e a VIDOFER -Central de Reciclagem LTDA -VCR. Neste contrato surreal, a ALL se compromete a fornecer à VCR 25.000 (vinte e cinco mil) toneladas de sucatas [sic] pelo preço de R$ 500,00 (quinhentos reais a tonelada). Óbvio que o material que estava sendo vendido como sucata e cuja negociação descoberta pela polícia federal, tratava-se sim de material de ótima qualidade.
4- Do procedimento da ruptura do contrato de concessão com a ALL e a possibilidade de reassunção do Estado de São Paulo, por delegação do Governo Federal, do transporte ferroviário prestado dentro do território do Estado de São Paulo.
Como expusemos no item 2.2. (parte III -p. 22) sobre as CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA CONCESSÃO, tecemos comentários sobre a possibilidade da caducidade do contrato pelo não cumprimento de suas cláusulas. Na cláusula décima quarta do contrato de concessão [nominado da Intervenção], está previsto que a concedente poderá intervir na concessão, para assegurar a prestação do serviço concedido, bem assim para fazer cumprir as demais cláusulas contratuais, normas regulamentares e legais. Como a ALL está desrespeitando o contrato, infringindo as normas regulamentares e até mesmo perpetrando atos ilícitos, fica cristalino o descumprimento da ALL de suas obrigações contratuais.
4.1. Esclarecemos ainda que o procedimento para a intervenção é de competência do Governo Federal, que se faz por decreto da concedente, designando um interventor, o prazo desta intervenção, e os limites da medida. Deve a intervenção estar concluída no prazo de até 180 dias.
4.2. Se a concedente se convencer das irregularidades cometidas pela ALL durante a intervenção, consoante prevista na cláusula décima quinta [da extinção da concessão] a administração poderá declarar extinta a concessão, com a corolária reversão do objeto concedido.
4.3. Vislumbramos ainda uma possibilidade, em que o Poder Executivo do Estado de São Paulo poderá entrar em negociação com o Poder Executivo Federal, quando poderá solicitar que seja delegada ao Estado de São Paulo a competência para reassumir o transporte ferroviário prestado dentro do Território do Estado de São Paulo.
2. -Do Empréstimo do BNDES
Quando do depoimento do Sr. Henrique Amarante, Superintendente da Área de Estruturação de Projetos, representando o Dr. Luciano Coutinho, Presidente do BNDES, este esclareceu que a responsabilidade pela fiscalização do contrato de concessão é responsabilidade da ANTT. Esclareceu que o BNDES financia quase todos os projetos de grande alcance, incluindo financiamento para a ALL, cujo objetivo era dar sustentabilidade patrimonial e financeira para a concessionária. Acrescentou ainda que parte da dívida da ALL foi convertida em direitos acionários para o BNDES, e que o próprio depoente tem assento no conselho de administração da empresa, ressaltando que a participação do BNDES é minoritária. O depoente finalizou afirmando que os interesses CPI e do BNDES são comuns.
Sobre a Questão dos Funcionários da extinta FEPASA
O Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias Paulistas, em seu depoimento disse que a ALL não está cumprindo os termos do contrato de privatização, e mesmo tendo obtido uma dedução de quase meio milhão de reais no valor que a concessionária deveria pagar pelo contrato de concessão, não utilizou este valor como deveria, ou seja, para efetuar as indenizações trabalhistas. Por isso, há muitas ações trabalhistas em andamento na justiça. Cita ainda que há casos de suicídios entre os ferroviários, pois foram demitidos trabalhadores mais experientes e contratados outros com salários menores.
Sobre o contrato de concessão
A precariedade dos mecanismos que possibilitam uma fiscalização mais ostensiva por parte do Poder Concedente só estão ocorrendo porque a modelagem apresentada quando da licitação foi inadequada, sem previsão de direito de passagem por outras companhias na malha paulista, não garantiu investimentos, o preço das tarifas do transporte de cargas foi muito elevado, dentre outros.
PARTE V -CONCLUSÕES SOBRE AS PROPOSTAS DESTA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.
De tudo quanto foi por nós analisado no decorrer dos trabalhos desta CPI, foi possível constatar inúmeras ilegalidades no modo de operar da América Latina Logística -ALL. Para a população paulista, que diariamente convive com um trânsito caótico, conforme foi muito bem demonstrado pelos depoimentos, além da farta documentação [incluindo grande acervo de fotos da destruição do patrimônio público], abrem-se os caminhos de sugestão para as autoridades competentes que declinamos:
I - Reassunção da fiscalização pelo Poder Concedente sobre os atos da concessionária, com instauração de Processo Administrativo de inadimplência, ainda que se chegue a caducidade do contrato, com a abertura de nova licitação, "a posteriori", sem prejuízo da intervenção prevista em cláusula contratual;

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